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Direito de Preferência do Locatário em Permuta de Imóvel

Artigo publicado em 29 Agosto 2022.

 

Rodrigo Palacio e Carine Graziela Mendes Borelli

RESUMO

O presente estudo visa elucidar a possibilidade ou não do exercício do direito de preferência do locatário, previsto no art. 27 da Lei do Inquilinato, aos casos de permuta, seja ela simples, por unidade(s) em futuro empreendimento ou com torna. Para tanto, foram abordados os conceitos e aspectos gerais sobre o direito de preferência do locatário, notadamente as suas características, as exceções previstas no art. 32 da mencionada Lei, e o posicionamento doutrinário acerca do assunto.

PALAVRAS-CHAVE: Contrato de locação. Direito de preferência. Permuta. Locador. Locatário.

ABSTRACT

The present study aims to elucidate the possibility or not of exercising the lessee's preemptive right, provided for in Art. 27 of the Brazilian Tenancy Law, to cases of exchange, for unit(s) in a future development or for unit(s) in a future development plus cash payment. To this end, the concepts and general aspects of the lessee's preemptive right were addressed, notably its characteristics, the exceptions provided for in Art. 32 of the aforementioned Tenancy Law, and the doctrinal position on the subject.

KEYWORDS: Lease. Lease option. Lease purchase. Rent-to-own. Option to purchase. Tenant opportunity to purchase act. TOPA. Right to buy. Landlord. Tenant. Lessor. Lessee.

SUMÁRIO: 1 Conceito e aspectos gerais do direito de preferência do locatário na aquisição do imóvel locado. 2 Requisitos e características do direito de preferência do locatário. 3 Breves considerações quanto às exceções ao direito de preferência do locatário previstas na Lei no 8.245/1991. 4 Inaplicabilidade do direito de preferência do locatário em permuta de imóvel. Conclusão. Referências bibliográficas.

1 CONCEITO E ASPECTOS GERAIS DO DIREITO DE PREFERÊNCIA DO LOCATÁRIO NA AQUISIÇÃO DO IMÓVEL LOCADO

1 Advogado formado na Universidade Paulista (1999), com especialização em Direito Imobiliário pela Universidade SECOVI (2011) e Juris Doctor pela Saint Thomas University School of Law - Miami/FL/EUA (classe de 2015/2017). Atua no mercado imobiliário há mais de 16 anos atendendo incorporadoras tradicionais do estado de São Paulo. Também é membro atuante do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário, IBRADIM, nas comissões de incorporação e de negócios imobiliários. Autor de diversos artigos técnicos publicados em revistas e livros jurídicos.

2 Advogada formada pela Universidade de Mogi das Cruzes (2016). Especialista em Direito Imobiliário pela Escola Paulista de Direito (2021), e pós-graduanda em Advocacia Empresarial pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (2022).

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O direito de preferência do locatário na aquisição do imóvel locado consiste na prerrogativa do mesmo locatário em adquirir, sendo de sua vontade, o bem locado pelas mesmas condições oferecidas a terceiro, gozando ele de preferência.3

Mister destacar que o direito de preferência é forma de restrição de liberdade do locador, e assegura a preferência para a aquisição do imóvel ao possuidor (locatário), visando a função socioeconômica do contrato, mediante a proteção do direito à moradia no caso das locações residenciais, sendo também aplicável às locações não residenciais, ambos em contratos que vigorem por prazo determinado ou indeterminado, conferindo preferência ao ocupante do imóvel.4

Nesse mesmo diapasão:

A concessão do direito de preferência ao locatário tem por efeito, no caso de imóveis residenciais, um melhor desempenho da função social da propriedade, tendo em vista o direito à moradia e a estabilidade da habitação5 e, no caso de imóveis não residenciais, o favorecimento da atividade empresarial, tendo em vista a função social da empresa. Assim, o locatário apto a exercer o direito de preferência tanto pode ser pessoa natural quanto jurídica.6

Como preceitua Sílvio de Salvo Venosa7, a preferência do inquilino foi introduzida pela Lei no 3.912/1961, quando tornou-se tradicional na legislação brasileira para a hipótese de ocorrência de alienação do imóvel locado. Destaca-se que tal instituto é oriundo da compra e venda, motivo pelo qual, no que a atual lei das locações for omissa, serão aplicados os princípios tradicionais da preempção, previstos no Código Civil, ou seja, consiste em direito, e não em obrigação, não existindo, portanto, a obrigação de venda, mas se feita, deverá ser observada a preferência de compra.

Isto é, durante a locação:

3 BORGES, Marcus Vinícius Motter (coord). Curso de Direito Imobiliário Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2021. p. 687.

4 BORGES, Marcus Vinícius Motter (coord). Curso de Direito Imobiliário Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2021. p. 687.

5 FEDERIGHI, Wanderley José. Direito de Preferência e Locação. Revista de Direito Privado. São Paulo: RT, vol. 7, jul.-set. 2001. p. 142, apud SCAVONE JUNIOR, Luiz Antonio; PERES, Tatiana Bonatti (org.). Lei do Inquilinato comentada artigo por artigo: Visão atual na doutrina e jurisprudência. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017. p. 139-140.

6 ALVES, Ricardo Luiz. O Direito de Preferência do Locatário na Lei do Inquilinato. Informativo Jurídico Consulex. Brasília: Consulex, vol. 16, n. 19, maio 2002. p.6, apud SCAVONE JUNIOR, Luiz Antonio; PERES, Tatiana Bonatti (org.). Lei do Inquilinato comentada artigo por artigo: Visão atual na doutrina e jurisprudência. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017. p. 140.

7 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: contratos. 21. ed. São Paulo: Atlas, 2021. e-book.

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[...] o locador conserva a propriedade e a disponibilidade do imóvel locado. Assim, nada impede que, no curso do contrato, venha a aliená-lo, mesmo que o prazo avençado para a duração da locação não tenha, ainda, expirado. Exige a lei, contudo, que o locador conceda preferência ao locatário, em igualdade de condições com terceiros.8

O direito de preferência do inquilino atualmente está previsto, mais precisamente, no art. 27 e seguintes da Lei n° 8.245/19919, a qual busca assegurar a total proteção ao locatário em caso de venda do imóvel alugado, isso pois, o direito de preferência na aquisição resguarda- lhe o direito de permanecer no imóvel.

Como ensina Sílvio Venosa, o direito de preferência do inquilino aplica-se às locações residenciais e não residenciais, e nesse sentido, visa propiciar ao locatário a permanência no imóvel, utilizado para sua moradia ou comércio, como também mitigar os riscos de venda simulada, que acarretaria o encerramento da locação.10

O artigo 27 do referido diploma é enfático ao disciplinar que o locatário possui “[...] preferência para adquirir o imóvel locado, em igualdade de condições com terceiros [...]”, todavia, faz-se mister observar que, os tipos contratuais em relação aos quais pode-se, inicialmente, considerar o direito de preferência são os que estão previstos no aludido artigo, quais sejam “venda, promessa de venda, cessão ou promessa de cessão de direitos ou dação em pagamento”, observados os seus pressupostos e exceções.

Para viabilizar o exercício ao direito de preferência pelo locatário, o locador possui o dever de notificá-lo judicial ou extrajudicialmente, ou por outro meio útil que comprove o cumprimento de tal exigência legal. Importante ressaltar que a notificação deverá ser perfeita, contendo todas as condições do negócio: preço, condição de pagamento, se existem ônus reais, bem como a indicação do local onde os documentos relativos à negociação podem ser examinados pelo locatário, com redação clara e precisa, sem qualquer indução a erro.11 Ainda, ressalta-se que a notificação que omita tais formalidades será ineficaz, não sendo possível fazê- la verbalmente.12

8 SOUZA, Sylvio Capanema de. A Lei do Inquilinato comentada artigo por artigo. 8 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012. p. 143. apud SCAVONE JUNIOR, Luiz Antonio; PERES, Tatiana Bonatti (org.). Lei do Inquilinato comentada artigo por artigo: Visão atual na doutrina e jurisprudência. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017. p. 139.

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http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8245.htm. Acesso em: 24 jan. 2022.

Lei n. 8.245, de 18 de outubro de 1991. Brasília, 1991. Disponível em 10 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: contratos. 21. ed. São Paulo: Atlas, 2021. e-book.

11 DINIZ, Maria Helena. Lei de Locações de Imóveis Urbanos Comentada. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 154-156.

12 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: contratos. 21. ed. São Paulo: Atlas, 2021. e-book.

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Da mesma forma, importa destacar que, “nem sempre quem aliena o imóvel é o locador. O dever de afronta incumbe a quem aliena o bem, ainda que não seja o locador.”13

Atendidos os requisitos para a notificação a ser feita pelo locador ao locatário, caso o inquilino não exerça o direito de preferência no prazo legal de trinta dias, o proprietário poderá alienar o imóvel a terceiros.14

Todavia, caso o locador realize a venda do imóvel a terceiro sem antes ter notificado o locatário para que possa exercer o seu direito de preferência, e, na hipótese do contrato de locação não estar averbado na matrícula do imóvel, o locatário não terá direito à adjudicação, mas apenas poderá reclamar do alienante as perdas e danos, conforme disposto no art. 33 da Lei de Locações, e como aborda Maria Helena Diniz, que destaca ser necessário entender que o direito de preferência previsto no art. 27 da Lei de Locações é de natureza pessoal do locador para com o locatário, sendo cabível apenas perdas e danos em caso de desrespeito ao referido direito, enquanto o direito de preferência estabelecido no art. 33 da aludida lei é direito real, sendo necessária a averbação do contrato de locação junto à matrícula do imóvel.15

O entendimento do Superior Tribunal de Justiça pode ser extraído dos seguintes julgados: “Nos termos da jurisprudência desta Corte, a inobservância do direito de preferência do locatário na aquisição do imóvel enseja o pedido de perdas e danos, que não se condiciona ao prévio registro do contrato de locação na matrícula imobiliária. Precedentes”16, e também:

A não averbação do contrato de locação no competente cartório de registro de imóveis impede o exercício do direito de preferência pelo locatário, consistente na anulação da compra e venda do imóvel locado, bem como sua adjudicação, nos termos do art. 33 da Lei no 8.245/1991, restando a ele a indenização por perdas e danos17.

Importante destacar que, no direito pessoal de preferência, a aquisição pelo locatário possui dupla condição, isto é, dependerá de que o locador queira vender o imóvel locado, mediante comunicação, e que o locatário opte pela compra, exercendo assim a preferência no prazo previsto em lei, uma vez que a venda, promessa de venda, cessão ou promessa de cessão de direitos ou dação em pagamento feitos sem prévia comunicação ao locatário serão ineficazes.18

13 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: contratos. 21. ed. São Paulo: Atlas, 2021. e-book.
14 DINIZ, Maria Helena. Lei de Locações de Imóveis Urbanos Comentada. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p.156. 15 DINIZ, Maria Helena. Lei de Locações de Imóveis Urbanos Comentada. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p.157. 16 STJ, AgRg no REsp 1.356.049-RS, Min. Rel. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, DJ 28/02/2014.
17 STJ, AgRg na Medida Cautelar 18.158-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 17/08/2011.
18 DINIZ, Maria Helena. Lei de Locações de Imóveis Urbanos Comentada. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p.157.

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Feita a proposta e aceita pelo locatário, se posteriormente o locador desistir de vender, responderá pelos prejuízos causados, consoante o art. 29 da Lei de Locações, que visa coibir que o locador abuse de seus direitos, isso pois, a iniciativa de venda pode ser apenas tentativa de facilitar a desocupação do imóvel, quando na verdade não possuía intenção de aliená-lo. Trata-se, portanto, de responsabilidade pré-contratual, uma vez que a proposta feita precisa ter real intenção de venda, pois após feita, o proprietário não está obrigado a vender, todavia, se não concretizar o negócio, estará sujeito a indenização.19

É esse o entendimento do Superior Tribunal de Justiça: “Aceita a proposta pelo inquilino, o locador não está obrigado a vender a coisa ao locatário, mas a desistência do negócio o sujeita a reparar os danos sofridos, consoante a diretriz do art. 29 da Lei no 8.245/91”.20

A respeito das sublocações, a critério do art. 30 da Lei de Locações, gozará de preferência, em primeiro lugar, o sublocatário, e após, o locatário, caso o imóvel esteja totalmente sublocado; todavia, se forem vários sublocatários, todos em comum terão a preferência, que também poderá ser exercida individualmente, se apenas um tiver interesse. Entretanto, se vários sublocatários quiserem exercer o direito de preferência, deverá ser observada a ordem do mais antigo ao mais recente, e, se forem todos da mesma data, a preferência deverá seguir do mais idoso ao mais jovem.

Assim, se o imóvel estiver totalmente sublocado, a preferência será, em primeiro lugar, do sublocatário, e após isso, do locatário, uma vez que a posse direta da totalidade do imóvel é do sublocatário, não havendo concorrência entre eles. Caso o imóvel possua vários sublocatários, a preferência será concedida a todos eles, em conjunto, ou àquele que tiver interesse, sendo certo que o direito de preferência deverá ser exercido sobre a coisa no seu todo, não podendo ser fragmentado.21

Na hipótese de serem vários os sublocatários, menciona Maria Helena Diniz:

[...] observam acertadamente Tucci e Villaça Azevedo, “a contranotificação deverá aprazar, para a outorga da escritura, o último dos trinta dias concedidos à efetivação do direito de preferência, momento em que o locador estará obrigado a esclarecer quais os subinquilinos que atenderam à invitação, de sorte a propiciar-lhes a aquisição, também, e nas respectivas proporções da parte remanescente... Verificado o interesse de todos ou de alguns, a pluralidade de adquirentes importará, quando impossível a divisão do imóvel, o estabelecimento de um estado de comunhão entre eles. O

19 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: contratos. 21. ed. São Paulo: Atlas, 2021. e-book. 20 STJ, REsp 1.193.992-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 13/06/2011.

21 DINIZ, Maria Helena. Lei de Locações de Imóveis Urbanos Comentada. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 164.

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desinteresse de um ou de alguns implicará o acréscimo proporcional do quinhão ou

dos quinhões dos subinquilinos interessados em adquirir o bem objeto da locação.”22

Todavia, a sublocação sujeita ao direito de preferência deve ser a legítima, ou seja, autorizada pelo locador, sendo esse o entendimento da doutrina: “Só se pode reconhecer como sublocação, para efeito do exercício do direito de preferência, a chamada sublocação legítima, ou seja, aquela permitida pelo contrato de locação”.23

Ainda, têm-se que, na inércia da legislação em definir como a preferência deve ser oferecida pelo locador, a doutrina diverge. Em uma das duas correntes, os autores defendem que a notificação deverá ser dirigida aos sublocatários, e após findo o prazo legal para exercício, ou para renúncia, ser enviada aos locatários24, enquanto a outra corrente defende que a notificação seja enviada a ambos, sublocatário e locatário, ao mesmo tempo25, todavia, caso ambos decidam exercer a preferência, tratando-se de sublocação integral, esta será do sublocatário.26

Entretanto, “se a sublocação é parcial, permanecendo o locatário no imóvel, ainda que em parte reduzida, a ele caberá a prioridade, quanto ao exercício da preferência.”27 Ainda, nesse cenário, caso o locatário, também sublocador, não se interesse pelo exercício do direito de preferência:

Quem suscita a discussão é Sylvio Capanema de Souza: “Que prejuízo adviria para o locador oferecer a preferência ao sublocatário parcial, se a não quiser o locatário? Parece-nos que nenhum. (...) O sublocatário já ocupa o imóvel, embora não

22 DINIZ, Maria Helena. Lei de Locações de Imóveis Urbanos Comentada. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 164.

23 MOREIRA, Pery. Lei do Inquilinato comentada atualizada e conforme o novo Código Civil. São Paulo: Memória Jurídica, 2003. p. 58, apud SCAVONE JUNIOR, Luiz Antonio; PERES, Tatiana Bonatti (org.). Lei do Inquilinato comentada artigo por artigo: Visão atual na doutrina e jurisprudência. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017. p. 159.

24 LUZ, Aramy Dornelles da. A nova Lei do Inquilinato na prática. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992. p. 87, apud SCAVONE JUNIOR, Luiz Antonio; PERES, Tatiana Bonatti (org.). Lei do Inquilinato comentada artigo por artigo: Visão atual na doutrina e jurisprudência. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017. p. 160.

25 CARNEIRO, Waldir de Arruda Miranda. Anotações à Lei do Inquilinato. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 185, apud SCAVONE JUNIOR, Luiz Antonio; PERES, Tatiana Bonatti (org.). Lei do Inquilinato comentada artigo por artigo: Visão atual na doutrina e jurisprudência. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017. p. 160.

26 PEDROTTI, Irineu; PEDROTTI William. Comentários à Lei de Locação. São Paulo: Método, 2005. p. 180, apud SCAVONE JUNIOR, Luiz Antonio; PERES, Tatiana Bonatti (org.). Lei do Inquilinato comentada artigo por artigo: Visão atual na doutrina e jurisprudência. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017. p. 160.

27 SOUZA, Sylvio Capanema de. A Lei do Inquilinato comentada artigo por artigo. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012. p. 148, apud SCAVONE JUNIOR, Luiz Antonio; PERES, Tatiana Bonatti (org.). Lei do Inquilinato comentada artigo por artigo: Visão atual na doutrina e jurisprudência. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017. p. 161.

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integralmente, sendo socialmente justo que nele possa permanecer, adquirindo a propriedade.”28

2 REQUISITOS E CARACTERÍSTICAS DO DIREITO DE PREFERÊNCIA DO LOCATÁRIO

O instituto do direito de preferência, definido no Código Civil brasileiro, possui como pressupostos ser intransmissível, indivisível e com prazo de caducidade, como leciona Venosa: “Na compra e venda, a preempção decorre da vontade das partes, podendo constar do próprio instrumento de alienação ou de documento à parte. Possui como características fundamentais ser intransmissível, indivisível e com prazo de caducidade.”29

Consoante o art. 520 do Código Civil30, o direito de preferência não pode ser cedido ou passado aos herdeiros. Isso pois, “considerando que o exercício do direito de preferência decorre da relação jurídica entre locador e locatário, não há de se admitir a cessão desse direito para terceiro, ainda que expressamente indicado pelo locatário”31, sendo, portanto, intransmissível, ou seja, personalíssimo.

É dessa forma que se posiciona o Tribunal de Justiça de São Paulo:

O direito de preferência a que fazia jus o inquilino era de natureza personalíssima, de modo que não poderia ser cedido a terceiros. [...]. A razão de tal entendimento é simples: a preferência dificulta a circulação econômica da propriedade, de modo que a restrição somente se justifica com a função de proteger a habitação e o fundo de comércio do inquilino, em nome da segurança da família e da estabilidade dos investimentos invertidos pelo locatário. Logo, somente o locatário é que tem legitimação para afrontar a preferência, não podendo ceder tal direito potestativo personalíssimo a terceiros não locatários. Entender o contrário seria converter instituto protetivo em instituto especulativo, em detrimento do locador.32

Todavia, em se tratando de relação locatícia, aplicar-se-á o quanto determinado no artigo 11 da Lei de Locações n° 8.245/1991, o qual estabelece como exceção a hipótese de morte do locatário, quando ficam sub-rogados nos seus direitos e obrigações, se nas locações

28 SOUZA, Sylvio Capanema de. A Lei do Inquilinato comentada artigo por artigo. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012. p. 148, apud SCAVONE JUNIOR, Luiz Antonio; PERES, Tatiana Bonatti (org.). Lei do Inquilinato comentada artigo por artigo: Visão atual na doutrina e jurisprudência. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017. p. 161.

29 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: contratos. 21. ed. São Paulo: Atlas, 2021. e-book.
30 BRASIL. Código Civil. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Brasília, 2002. Disponível em

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm. Acesso em: 24 jan. 2022.
31 BUSHATSKY, Jaques; ELIAS FILHO, Rubens Carmo (coord.). Locação Ponto a Ponto: Comentários à Lei no

8.245/91. São Paulo: IASP, 2020. p. 292.

32 TJSP. Apelação Cível 0250539-02.2008.8.26.0100; Rel. Des. Francisco Loureiro; 4a Câmara de Direito Privado; J. 19/04/2012.

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residenciais, o cônjuge sobrevivente ou o companheiro, e na sequência, os herdeiros necessários e as pessoas que viviam na dependência do locatário quando em vida, e se nas locações não residenciais, o espólio ou o sucessor no negócio.

Isso posto, temos que o direito de preferência é intransmissível, à exceção do falecimento do locatário, caso em que seus sucessores ficarão sub-rogados nos seus direitos e obrigações.

Como reza o art. 31 da Lei de Locações, ao definir que o direito de preferência incidirá sobre a totalidade dos bens objeto da alienação, mesmo que se trate de mais de uma unidade, o direto de preferência é indivisível, isto é, a compra não pode ser fracionada, ainda que existam vários locatários.

Gildo dos Santos ensina sobre as chamadas vendas em bloco, comuns quando realizada a alienação de imóveis lindeiros, como conjunto de casas ou de lojas, ou vila de casas, ou escritórios, consultórios e apartamentos de um mesmo prédio, que por proximidade, formam o aludido bloco. Nesses casos, mesmo existindo vários locatários, como é costumeiro, a preferência pode ser exercida por todos, por alguns ou por apenas um dos locatários; contudo, aquele ou aqueles que optarem pelo exercício da prelação terão que adquirir a totalidade dos bens ofertados.33

Isso pois o proprietário, também vendedor, pretende vender todos os bens alugados, e não apenas aqueles cujos locatários querem adquirir o bem que lhes foi locado, pois, nesse último caso, o proprietário não atingiria o seu objetivo e ainda haveria a desvalorização das unidades que não fossem vendidas.34

Como menciona Gildo dos Santos:

O renomado José da Silva Pacheco diz que “a preferência ocorre em relação à totalidade dos bens que se pretende alienar. Assim, se o locador quiser vender o edifício, em que tem vários apartamentos ou salas, o locatário ou sublocatário tem preferência à aquisição da totalidade dos bens. Não tem preferência à aquisição de parte, mas do todo, a não ser que, em conjunto, exerça a preferência pela totalidade.”35

33 SANTOS, Gildo dos. Locação e Despejo: Comentários à Lei 8.245/91. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 214.

34 SANTOS, Gildo dos. Locação e Despejo: Comentários à Lei 8.245/91. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 214.

35 PACHECO, José da Silva. Comentários à nova Lei sobre as locações dos imóveis urbanos e seus procedimentos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992. p. 112, apud SANTOS, Gildo dos. Locação e Despejo: Comentários à Lei 8.245/91. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 215.

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É como entende o Superior Tribunal de Justiça, consoante o REsp 14.924-0/SP, que assim determinou: “vendido o prédio em sua totalidade, o direito de preferência deverá ser exercido em relação ao todo, e não apenas em relação à loja objeto da locação.”36 37

Também é nesse sentido o entendimento de Sílvio Venosa, ao ressaltar que o artigo 31 da Lei de locações idealizou a possibilidade de venda de mais de um imóvel, hipótese em que o direito de preferência deverá ser exercido sobre todos os bens alienados, em conjunto, ou seja, caso o proprietário de prédio de escritórios ou apartamentos, ou de vila, decida por vendê-los por completo, o direito de preferência deverá ser exercido em relação ao todo, pois o proprietário não poderá ser obrigado a dividir o imóvel.38

Como derradeira característica do direito de preferência do locatário, destacamos a caducidade, em relação à qual, o locatário tem o prazo de trinta dias para manifestar sua aceitação integral à proposta, conforme dispõe o art. 28 da Lei de Locações; frisa-se, ainda, que todos os locatários, se mais de um, deverão ser notificados, e que a aceitação deverá ser integral, como já dito acima, sendo vedada a contraproposta.39

Dessa forma, caso aceite integralmente a proposta feita, o locatário deverá cientificar o locador de sua aceitação no prazo máximo de trinta dias, que é peremptório, ou seja, inadmissível sua dilação ou prorrogação, tomando todas as medidas que forem necessárias para pagar o imóvel nas mesmas condições oferecidas por terceiro, sendo certo que, caso não o faça, o locador estará livre para vender o imóvel a terceiro, desde que nas mesmas condições ofertadas ao locatário.40

O prazo de trinta dias para a aceitação é decadencial, e será “contado da data da oferta, ou seja, da data em que se der a comunicação da venda feita pelo locador ao locatário, evitando- se assim possíveis danos ao senhorio pela demora no exercício da prelação, que fatalmente adviriam se não houvesse imposição legal de prazo.”41

Na hipótese de haver qualquer alteração das condições apresentadas em princípio pelo locador ao locatário, o locador deverá apresentar as novas condições comerciais ao locatário.42

36 STJ, REsp 14.924-0/SP, Quarta Turma, Rel. Min. Athos Carneiro, DJ 17/12/1992.
37 Apud SANTOS, Gildo dos. Locação e Despejo: Comentários à Lei 8.245/91. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 215.

38 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: contratos. 21. ed. São Paulo: Atlas, 2021. e-book. 39 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: contratos. 21. ed. São Paulo: Atlas, 2021. e-book.

40 DINIZ, Maria Helena. Lei de Locações de Imóveis Urbanos Comentada. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 158.

41 DINIZ, Maria Helena. Lei de Locações de Imóveis Urbanos Comentada. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 158.

42 BUSHATSKY, Jaques; ELIAS FILHO, Rubens Carmo (coord.). Locação Ponto a Ponto: Comentários à Lei no 8.245/91. São Paulo: IASP, 2020. p. 295-296.

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Nessa mesma direção, pontua Sílvio Venosa, à luz do art. 45 da Lei de Locações, que serão nulas qualquer cláusulas imposta no Contrato de Locação que tenham o objetivo de retirar do locatário o direito de preferência, cujo direito somente poderá ser exercido se houver igualdade de condições ao locatário, ou seja, caso o terceiro ofereça melhor preço e condições, se já efetivada comunicação anterior ao inquilino, o locador deverá comunicar-lhe novamente, informando sobre as novas condições da venda, por ser essa a exigência prevista em lei.43

Há entendimento de que pode ser manifestada renúncia genérica ao direito de preferência do locatário, isto é, independentemente de valor do imóvel, ou forma de pagamento, pois sendo direito disponível do locatário, pode ele desistir ou renunciar44.

Nesse mesmo sentido,

[...] antes de decorrido o prazo de 30 dias, ou até mesmo ainda que não tenha sido expressamente avisado, pode o inquilino firmar documento em que desiste da preferência ou a ela renuncia, porque, tratando-se de direito sobre o qual tem disponibilidade, pode dele desistir ou renunciar.45

Outro aspecto importante a ser considerado diz respeito à finalidade do prazo de trinta dias para o exercício do direito de preferência. Como preceitua Gildo dos Santos:

[...] fixou-se orientação no sentido de que “os trinta dias que a lei concede ao locatário não valem apenas para a aceitação da proposta. O direito é de preferência na aquisição, e não de preferência na resposta”, vindo o texto desse julgado a explicar que o exercício desse “direito é a celebração do negócio jurídico, isto é, o recebimento do imóvel e o pagamento do preço, instrumentalizado por escritura pública” (Rel. Narciso Orlandi – JTACivSP-RT 118/298). A lei vigente, embora com redação diferente, fixa o mesmo prazo para que o inquilino, de maneira inequívoca, manifeste “sua aceitação integral à proposta”, mas isso não pode significar que o lapso material que lhe é concedido seja apenas para responder ao locador-proprietário porque, como diz esse julgado, “tal seria se, notificado, pudesse o inquilino, a seu bel-prazer, marcar a realização do negócio, isto é, o pagamento do preço que constou da afronta, depois de 30, 60 ou 90 dias.”46

Dito isso, entende-se que o prazo de trinta dias concedido ao locatário não é apenas para que conceda a sua resposta ao locatário, ou seja, para aceitação, mas também para que seja concretizado o negócio.

43 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: contratos. 21. ed. São Paulo: Atlas, 2021. e-book.
44 BUSHATSKY, Jaques, ELIAS FILHO, Rubens Carmo (coord). Locação Ponto a Ponto: Comentários à Lei no

8.245/91. São Paulo: IASP, 2020. p. 295-296.

45 SANTOS, Gildo dos. Locação e Despejo: Comentários à Lei 8.245/91. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 211.

46 SANTOS, Gildo dos. Locação e Despejo: Comentários à Lei 8.245/91. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 211.

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3 BREVES CONSIDERAÇÕES QUANTO ÀS EXCEÇÕES AO DIREITO DE PREFERÊNCIA DO LOCATÁRIO PREVISTAS NA LEI No 8.245/1991

O art. 27 da Lei de Locações delimita a aplicação do direito de preferência para “venda, promessa de venda, cessão, promessa de cessão ou dação em pagamento”, por outro lado, no art. 32 da referida Lei restaram demonstradas as exceções ao direito de preferência do locatário, quais sejam: “os casos de perda da propriedade ou venda por decisão judicial, permuta, doação, integralização de capital, cisão, fusão e incorporação”, e em se tratando de contratos firmados a partir de 01 de outubro de 2001, consoante o parágrafo único do referido artigo “o direito de preferência de que trata este artigo não alcançará também os casos de constituição da propriedade fiduciária e de perda da propriedade ou venda por quaisquer formas de realização de garantia, inclusive mediante leilão extrajudicial, devendo essa condição constar expressamente em cláusula contratual específica”, cujas considerações fazemos a seguir.

Na lição de Maria Helena Diniz: “O direito de preferência é próprio em casos de alienação onerosa; logo, não poderá ser exercido na alienação forçada e nos atos de liberdade”47, isto é, não se aplica às hipóteses mencionadas acima.

Uma dessas hipóteses diz respeito às alienações por perda da propriedade ou venda por decisão judicial. Em se tratando de venda por decisão judicial, não existe voluntariedade por parte do locador, ou seja, a alienação é feita mediante imposição legal, como, por exemplo, quando o imóvel objeto da penhora é levado à praça, ou nos casos de extinção de condomínio, isso pois, o locatário poderá, como qualquer interessado, comparecer ao leilão e arrematar o imóvel.48

Também não é possível que o locatário exerça o direito de preferência na aquisição de imóvel por meio de doação, uma vez que “o direito de preferência requer onerosidade na alienação”49, ainda, “se o locador oferecer a preferência ao locatário, em caso de pretender doar o imóvel, é certo que este a aceitaria, nem mesmo aguardando o decurso do prazo para

47 DINIZ, Maria Helena. Lei de Locações de Imóveis Urbanos Comentada. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 166.

48 SOUZA, Sylvio Capanema de. A Lei do Inquilinato comentada artigo por artigo. 8 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012. p. 150.

49 ALVIM, Agostinho. Da doação. São Paulo: Saraiva,1980 apud DINIZ, Maria Helena. Lei de Locações de Imóveis Urbanos Comentada. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 167.

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resposta”50, ou seja, é bastante claro o motivo pelo qual a doação é exceção ao direito de preferência do locatário.

Em se tratando de integralização do capital, caso o locador, o sócio ou acionista, transfira imóvel de sua propriedade com a finalidade de constituir capital social, o mesmo bem passará a fazer parte do patrimônio da sociedade, de modo que, caso aquele que tenha integralizado não tenha recebido soma pecuniária, não se tratará de alienação onerosa, desta forma, não poderá o locatário exercer o direito de preferência.51

Também não é permitido que o locatário exerça direito de preferência de imóvel que pertencendo a empresa que vem a ser objeto de cisão, passou a pertencer a empresa diversa.52

Da mesma forma, em caso de fusão de empresas, ou seja, união de duas ou mais empresas mediante deliberação de Assembleia Geral dos Sócios ou Acionistas, por não se tratar de alienação, o locatário de imóvel pertencente à empresa fundida não poderá exercer o direito de preferência.53

Em caso de incorporação, isto é, caso uma ou mais sociedades absorvam outra, com a sucessão de direitos e obrigações, o locatário também não poderá exercer o direito de preferência na aquisição do imóvel locado.54

Quanto aos contratos de locação firmados a partir de 01 de outubro de 2001, o locatário ou sublocatário não poderá exercer direito de preferência em caso de alienação decorrente de constituição da propriedade fiduciária e de perda da propriedade ou venda por quaisquer formas de realização de garantia, inclusive mediante leilão extrajudicial, uma vez que não sabe qual o preço depositar, pois não houve desembolso pecuniário de terceiro.55 É o que ensina Sylvio Capanema: “[...] na constituição de propriedade fiduciária, não se pode admitir a preferência do locatário, já que ela se verifica com o escopo de garantia, sendo resolúvel o domínio que se transfere ao credor”56, e em se tratando de venda por quaisquer formas de realização de garantia,

50 SOUZA, Sylvio Capanema de. A Lei do Inquilinato comentada artigo por artigo. 8 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012. p. 151.

51 DINIZ, Maria Helena. Lei de Locações de Imóveis Urbanos Comentada. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 167.

52 DINIZ, Maria Helena. Lei de Locações de Imóveis Urbanos Comentada. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 167-168.

53 DINIZ, Maria Helena. Lei de Locações de Imóveis Urbanos Comentada. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 168.

54 DINIZ, Maria Helena. Lei de Locações de Imóveis Urbanos Comentada. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 168.

55 DINIZ, Maria Helena. Lei de Locações de Imóveis Urbanos Comentada. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 168.

56 SOUZA, Sylvio Capanema de. A Lei do Inquilinato comentada artigo por artigo. 8 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012. p. 152.

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“também não se justifica a preferência, já que poderá ser ela exercida, mais eficazmente, quando da realização do leilão extrajudicial”57.

Por fim, destaca-se como exceção ao direito de preferência do locatário a permuta, que é diferente da venda e compra, pois no caso de permuta, a contraprestação é feita por outro bem, enquanto na venda e compra o preço é pago, predominantemente, em dinheiro. A preferência precisa ser exercida pelo locatário em total igualdade de condições com terceiro, de modo que, não seria possível o locatário apresentar proposta exatamente igual ao permutante, por não possuir bem exatamente igual, sendo certo que na permuta trata-se de bens infungíveis.58

Sobre os casos de permuta, tecemos adiante nossas considerações.

4 INAPLICABILIDADE DO DIREITO DE PREFERÊNCIA DO LOCATÁRIO EM PERMUTA DE IMÓVEL

Como magistralmente ensina Gildo dos Santos:

Se o bem locado for objeto de permuta, também descabe falar-se em preferência ao locatário. Na permuta, embora haja venda de uma coisa, mediante a sua troca por outra, tem de se considerar que o senhorio-locador está fazendo uma alienação vinculada a determinado bem que quer receber em troca do que é seu.59

Nessa mesma direção, temos a figura da “permuta no local”, que consiste na celebração de permuta ou promessa de permuta pelo proprietário do imóvel locado e empresa incorporadora ou construtora, por meio da qual, o locador promete trocar o imóvel locado por futuras unidades a serem erigidas por tal empresa, caso em que não é possível afirmar que a oferta não pode ser igualada sob o argumento de que os bens são infungíveis.60

Nos ensinamentos do professor Sylvio Capanema:

Tecnicamente, o locatário poderia desincumbir-se da obrigação de fazer, propondo-se a realizar, por sua conta, igual incorporação, entregando ao proprietário o mesmo número de unidades futuras, quando concluídas as obras. Forçoso será reconhecer que, na prática, a hipótese seria muito difícil de ocorrer, podendo o locador argumentar

57 SOUZA, Sylvio Capanema de. A Lei do Inquilinato comentada artigo por artigo. 8 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012. p. 152.

58 SOUZA, Sylvio Capanema de. A Lei do Inquilinato comentada artigo por artigo. 8 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012. p. 150.

59 SANTOS, Gildo dos. Locação e Despejo: Comentários à Lei 8.245/91. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 217.

60 SOUZA, Sylvio Capanema de. A Lei do Inquilinato comentada artigo por artigo. 13 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021. p. 181.

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a questão de sua confiabilidade na empresa incorporadora ou construtora que escolhera, para celebrar o negócio.61

Segundo Rodrigo Cury Bicalho: “[...] o proprietário se vale de sua confiança na incorporadora, em sua idoneidade, capacidade técnica, conhecimento de mercado, solidez financeira, reciprocidade bancária, enfim, características importantes que tornam a contratação totalmente intuito personae (...)”62.

Ou seja, não haveria como o locatário entregar ao locador unidades prontas e acabadas, exatamente nas mesmas condições oferecidas por terceiro, sendo, portanto, impossível o exercício do direito de preferência também nos casos de permuta física “no local”, que consiste na entrega de unidade(s) em futuro empreendimento a ser erigido.

Todavia, faz-se mister analisar com critério os casos de permuta com torna, quando poderia ser viabilizado o exercício ao direito de preferência pelo locatário caso haja a descaracterização da permuta, como adiante exposto.

É fato que a existência de pagamento de torna em dinheiro por si só não descaracteriza a permuta, entretanto, para que não seja possível o exercício ao direito de preferência do locatário nos casos de permuta com torna, a contraprestação em dinheiro precisa ser complementar ao negócio, isto é, o valor da coisa permutada deve ser a parte principal.

O Professor Gildo dos Santos deixa tal entendimento claro:

Apesar de a permuta ser considerada “contrato similar à compra e venda, pelo qual as partes se obrigam reciprocamente a dar uma coisa por outra, sem interferência da moeda” (J.M. Othon Sidou. Dicionário Jurídico, com a colaboração de acadêmicos da Academia Brasileira de Letras Jurídicas. Rido de Janeiro/São Paulo: Forense Universitária, 1990), o certo é que, na prática, por vezes, há uma diferença de preço que se compõe em dinheiro, por terem os imóveis permutados valores diferentes. Ainda assim, não fica descaracterizada a permuta ou troca, pois esta é o núcleo do negócio, que apenas se completa com dinheiro contado em face da diversidade de preço dos bens63

Analisando por esse ângulo, caso a permuta não seja a parte principal da contraprestação oferecida pela venda do imóvel, restaria descaracterizada a permuta, e então, estaríamos diante do instrumento de venda e compra com dação em pagamento, em relação à qual, é possível o exercício do direito de preferência pelo locatário, como disposto no art. 27 da Lei do Inquilinato.

61 SOUZA, Sylvio Capanema de. A Lei do Inquilinato comentada artigo por artigo. 13 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021. p. 181-182.

62 BICALHO, Rodrigo Cury. O Direito de Preferência do Locatário na Permuta e na “Permuta Financeira”. Revista Opinião Jurídica. 3. ed. 2015.

63 SANTOS, Gildo dos. Locação e Despejo: Comentários à Lei 8.245/91. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 217.

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A questão principal repousa no limite da descaracterização da permuta, ou seja, até que ponto a permuta resta configurada, e é nesse aspecto que entendemos o centro do negócio como a parte de maior valor.
Como pontua Rodrigo Cury Bicalho, em algumas situações o valor da torna pode superar o valor dos bens permutados, de forma que a permuta torna-se complementar ao negócio, e não o seu principal objeto. Nesse caso, o valor em dinheiro será a principal contraprestação, sendo o imóvel o complemento do preço, aproximando-se, portanto, de uma venda e compra. Assim, mesmo que o contrato fosse denominado permuta, o direito de preferência do inquilino não poderia ser afastado.64

Orlando Gomes, ao falar do contrato de compra e venda, explica que a maior parte deve consistir em dinheiro, caso contrário, será caso de permuta ou troca, não sendo necessário que o pagamento seja realizado exclusivamdente com dinheiro, mas que apenas a maior parte o seja. Em outras palavras, se a maior parte for em dinheiro, trata-se de venda, e se a maior parte for o valor do imóvel, consiste em troca.65

Nessa mesma direção, considerando a composição do preço atribuído ao negócio para a definição do seu formato, isto é, se venda e compra ou permuta, o célebre jurista Clovis Bevilaqua, há tempos definiu:

Também é esse o posicionamento de Arnoldo Wald:

Se o preço consiste, parte em dinheiro e parte em outra coisa, resolvia o direito romano que o contracto fosse permuta ou venda conforme era maior o valor do numerário ou dos outros objectos (D.19, I, fr.6). No mesmo sentido, decidiram o Cód. Civil argentino (art. 1.556) e o mexicano (art. 2.250). O hespanhol, porém, manda que sirva de critério, antes, a intenção das partes e, somente na incerteza

desta, se voltará a vista para a quantidade do que foi dado em troca (art. 1.446).66

Algumas vezes, uma operação pode envolver uma troca e uma compra e venda. Uma pessoa, por exemplo, proprietária de um imóvel, quer transferir o seu direito de propriedade, recebendo um automóvel e determinada quantia em dinheiro. Teremos assim um negócio com traços de compra e venda e de troca. O enquadramento será

feito atendendo-se ao caráter principal de uma das duas operações. Se a parte principal do negócio for o pagamento em dinheiro, estará sujeito às normas referentes à compra e venda. Se, ao contrário, a troca representar a parte mais expressiva do negócio, aplicáveis ao caso serão as normas a ela atinentes.67

64 BICALHO, Rodrigo Cury. O Direito de Preferência do Locatário na Permuta e na “Permuta Financeira”. Revista Opinião Jurídica. 3. ed. 2015.

65 GOMES, Orlando. Contratos. 26. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009. p. 274-275.
66 BEVILAQUA, Clovis. Direito das Obrigações. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1940. p. 307.
67 WALD, Arnoldo. Direito Civil: Contratos em espécie. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 111-112.

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Complementa o posicionamento doutrinário o entendimento do Tribunal de Justiça de São Paulo, de que a complementação em dinheiro não descaracteriza a permuta:

LOCAÇÃO DE IMÓVEL NÃO RESIDENCIAL – CONTRATO DE PERMUTA CELEBRADO COM EMPRESA INCORPORADORA – TROCA DO IMÓVEL LOCADO POR QUATRO UNIDADES AUTÔNOMAS A SEREM CONSTRUÍDAS NO LOCAL – COMPLEMENTAÇÃO EM DINHEIRO – PERMUTA NÃO DESCARACTERIZADA - DIREITO DE PREFERÊNCIA AFASTADO – INTELIGÊNCIA DO ART. 32 DA LEI DO INQUILINATO – CERCEAMENTO DE DEFESA – INOCORRÊNCIA – DILAÇÃO PROBATÓRIA DESNECESSÁRIA. -Recurso desprovido.68 (grifo nosso)

Diante disso, temos que a torna não descaracteriza a permuta, não sendo, portanto, possível o exercício do direito de preferência do locatário. Todavia, caso o valor atribuído à torna seja mais expressivo que a própria permuta, esta será descaracterizada, sendo, neste caso, passível de contestação o exercício de tal direito, diante do novo formato assumido pelo negócio, que agora não será de permuta.

CONCLUSÃO

Como dito acima, em se tratando de permuta simples, isto é, a troca de um bem pelo outro, o art. 32 da Lei do Inquilinato é claro ao excluir a possibilidade de exercício do direito de preferência do locatário, tendo em vista a infungibilidade do bem permutado. Isto é: “A permuta envolve bens infungíveis, pelo que fica o locatário inibido de igualar a proposta, sendo inútil o oferecimento da preferência.”69

Quanto à hipótese de permuta “no local”, da mesma forma, é inviável o exercício ao direito de preferência do locatário, pois mesmo que pretendesse entregar ao proprietário unidades exatamente iguais às oferecidas pelo terceiro, não seria possível, pois a relação mantida entre o proprietário e o terceiro ofertante envolve, sobretudo, a confiança nutrida para a consecução da obrigação de fazer, sendo pessoal e impossível de igualar pelo locatário.

Por último, em relação aos casos de permuta com torna, temos que, sendo a permuta o centro do negócio, ou seja, a maior parte, não será possível o exercício do direito de preferência do locatário. De outro lado, caso a parte em dinheiro seja maior, mesmo que no instrumento firmado entre as partes conste que se trata de permuta, esta restará desconfigurada, não sendo,

68 TJSP. Apelação Cível 1059482-65.2014.8.26.0002; Rel. Edgard Rosa; 25a Câmara de Direito Privado; J. 15/02/2017; Data de Registro: 17/02/2017.

69 SOUZA, Sylvio Capanema de. A Lei do Inquilinato comentada artigo por artigo. 13 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021. p. 181.

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portanto, compreendida nas exceções ao exercício do direito de preferência do locatário previstas no art. 32 da Lei do Inquilinato, por não se tratar de permuta.

Isto posto, por todos os aspectos analisados, concluímos pela impossibilidade de exercício do direito de preferência do locatário em casos de permuta, independentemente da forma assumida, seja ela simples, “no local” ou com torna.

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